Empresarial

Indícios de Confusão Patrimonial que podem ser destacados para provar o abuso da personalidade jurídica no incidente de sua desconsideração.

Resumo

O tema abordado é a confusão patrimonial que se percebe no cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa, na transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante, e em outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial perpetrados com dolo (desvio de finalidade) ou por falta de uma política de governança bem estruturada o bastante para aplicar boas práticas de estratégia no planejamento, e de tática na execução dos objetos sociais, e se busca cumprir o objetivo de delimitar as mais comuns características dessas causas de abuso da personalidade jurídica que podem ser usadas pelos credores para fundamentar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

 Palavras-chave: Confusão patrimonial. Sociedades. Indícios mais comuns. Abuso da personalidade jurídica. Tutela dos credores. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

 Introdução

Os credores no exercício dos seus direitos em processos judiciais contra empresas sem liquidez para satisfazer suas obrigações inadimplidas sofrem com a ineficácia do sistema em garantir um proveito útil ao instrumento ajuizado.

Não pode se confundir a pessoa jurídica com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores, sendo a autonomia patrimonial um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, cuja finalidade é estimular empreendimentos que gerem empregos, resultem em recolhimento de tributos, fomentem a renda e a inovação em benefício de todos.

A morte está para a pessoa física que abusa da sua vida como a desconsideração de personalidade jurídica está para aquela empresa que abusa da separação radical entre a personalidade societária e a de seus membros, e entre o patrimônio da sociedade e o patrimônio dos sócios.

Os membros da pessoa jurídica devem se inspirar no pacto do Ulisses a fim de que não avancem sobre o patrimônio da empresa (atirando ao mar e à morte a pessoa jurídica criada) quando estiverem atravessando período de instabilidade econômica (canto das sereias).

 Indícios mais comuns de confusão patrimonial

Na Comarca do Recife, Estado de Pernambuco, foram ajuizados 5 (cinco) incidentes de desconsideração da personalidade jurídica, durante o período de 01/02/2020 e 29/02/2020, e as justificativas que lastrearam essas proposições foram: (1) frustração da penhora on-line de ativos financeiros; (2) irregularidade na representação processual; (3) frustração na intimação para cumprimento da obrigação, estando ativa a empresa junto à Receita Federal; (4) frustração no encontro de veículos e de imóveis registrados sob a titularidade da empresa; (5) existência de ações trabalhistas e cíveis sem satisfação das suas respectivas condenações, bem como de acordo descumprido em processo criminal; e (6) concentração do controle da empresa insolvente na figura de um sócio administrador que figura como sócio em outras empresas constituídas, com outras finalidades sociais, em endereços compartilhados.

Essas razões de pedir a desconsideração da personalidade jurídica são bem comuns e estão contidas no art. 50 do Código Civil, com a redação conferida pela Lei nº 13.874/2019, que confere a natureza de estado jurídico presumido à confusão patrimonial diante da necessidade de tutelar o interesse de terceiros.

Na hipótese de frustração da penhora on-line de ativos financeiros da pessoa jurídica no curso de uma execução judicial resta configurado indício de que suas atividades sociais não estão sendo mais desenvolvidas regularmente, posto que sem ativo financeiro de liquidez imediata não é capaz a empresa de pagar seus funcionários, impostos, aluguéis, distribuir lucro, nem gerar inovação alguma no mercado que se propôs explorar.

A irregularidade na representação processual da empresa configurada pela ausência de indicação de novos patronos, quando intimada acerca da renúncia dos causídicos anteriormente constituídos, é outro indício significativo que a pessoa jurídica não pretende exercer sua garantia de apresentar ampla defesa, promover o contraditório, recorrer, nem se valer do devido processo legal para proteger seu patrimônio e interesses.

A frustração na intimação para cumprimento da obrigação, estando ativa a empresa junto à Receita Federal, no endereço consignado no cadastro nacional de pessoas jurídicas, é indício de que o sócio administrador não está cumprindo com sua obrigação contratual e legal de manter seus cadastros atualizados, cuja relevância dessa infração possibilita o redirecionamento de uma execução fiscal contra si (STJ, Súmula nº 435, DJe 13/05/2010).

A frustração no encontro de veículos e de imóveis registrados sob a titularidade da empresa, isoladamente, não implica em confusão patrimonial, todavia, é típico caso de confusão de esferas (impossibilidade de reconhecer se um determinado ato é imputável a uma pessoa ou a outra, uma vez que a sociedade pode ter optado em dar eficácia ao seu fim social via locação de veículos e imóveis).

A existência de ações trabalhistas e cíveis sem satisfação das suas respectivas condenações, bem como de acordo descumprido em processo criminal, também, constitui indício para se presumir o fechamento irregular do empreendimento.

A concentração do controle da empresa insolvente na figura de um sócio administrador que figura como sócio em outras empresas constituídas, com outras finalidades sociais, em endereços compartilhados, não é indício de grupo econômico se não forem provados os requisitos de desvio de finalidade e de confusão patrimonial.

A ausência de fato entre os patrimônios da pessoa jurídica e dos seus membros restará caracterizada quando se percebe no cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa, na transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante, e em outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial perpetrados com dolo (desvio de finalidade) ou por falta de uma política de governança bem estruturada o bastante para aplicar boas práticas de estratégia no planejamento, e de tática na execução dos objetos sociais.

O ordenamento patrimonial societário é composto pela base econômica da sociedade (patrimônio social e capital social), e pela atividade econômica e os meios materiais que a sociedade emprega para sua exploração (personalidade jurídica, autonomia patrimonial, e reponsabilidade dos sócios).

O patrimônio é o complexo mutável de relações jurídicas economicamente perceptíveis, ativa ou passivamente, referentes a determinada pessoa.

O capital social é o valor fixo declarado no instrumento de constituição da pessoa jurídica, expresso em moeda corrente nacional, que representa os aportes, realizados ou que virão a sê-lo pelos sócios, necessários para executar os objetivos sociais almejados.

A personalidade jurídica é a sede desse patrimônio e o capital social corresponde a uma função de produção (escopo-meio: exercício de atividade econômica), balizada pelo ânimo de gerar renda, inovação, empregos, e contribuir com o sistema tributário nacional (escopo-fim: obter lucro e partilhar esses resultados).

A autonomia patrimonial é condição prévia da constituição da pessoa jurídica, haja vista que se trata de uma técnica de separação patrimonial.

É típica das pessoas-membros administradoras da pessoa jurídica a responsabilidade/dever de usar o poder de gestão para planejar estratégias e táticas de execução que resultem na máxima eficácia constitutiva e funcional do fim social, sendo hipóteses de rompimento da affectio societatis atitudes dos sócios que prejudicam o atingimento da dessa finalidade, com destaque para aquelas contidas no art. 3º, da IN-DREI nº 76/2020.

À derradeira, cabe citar que as situações listadas pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração como suspeitas para fins de prevenção de atividades de lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo são parâmetros detalhados que merecem ser usados pelos credores em correlação ao art. 50 do Código Civil para lastrear o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Conclusão

A pessoa jurídica deixa de preservar o direito de seus credores quando esquece de separar os patrimônios dos sócios, do patrimônio da sociedade, tornando ineficaz as suas funções básicas de produção e garantia.

Na busca por atingir o reconhecimento judicial da confusão patrimonial qualificada, qual seja, aquela que autoriza e justifica o ajuizamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, os credores devem provar dois requisitos: o dano gerado pelo fim do patrimônio social da pessoa jurídica, e o abuso gerado e gozado, direta ou indiretamente pelos sócios, expondo os indícios encontrados em cada caso específico, fazendo correlação às situações especiais detalhadas na IN-DREI nº 76/2020, art. 3º.

INDICATIONS OF COMMINGLING OF ASSETS THAT MAY BE HIGHLIGHTED TO PROOF THE ABUSE OF LEGAL PERSONALITY IN THE INCIDENT OF ITS DISCONSIDERATION.

Abstract

 The topic addressed is the commingling of assets that is perceived in the repetitive fulfillment by the company of obligations of the partner or the administrator or vice versa, in the transfer of assets or liabilities without effective consideration, except those of proportionally insignificant value, and in other acts of non-compliance with patrimonial autonomy, often for lack of a governance policy well structured enough to apply good practices in the planning and management of corporate objects, and the aim is to achieve the objective of delimiting the main characteristics of these causes of abuse of legal personality can be used by creditors to substantiate the incident of disregarding legal personality.

Keywords: Commingling of asstes. Companies. Most common indications. Abuse of legal personality. Creditors´protection. Incidence of disregard for legal personality.

REFERÊNCIA

SCALZILLI, João Pedro de Souza. Confusão patrimonial nas sociedades isoladas e nos grupos societários: caracterização, constatação e tutela dos credores. 2014, 205 F. Dissertação (Doutorado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.