Desportivo

Tutela Provisória no Mandado de Garantia (Artigo)

Trata-se de artigo não aprovado para publicação no chamado por artigos da Revista Brasileira de Direito Desportivo (RBDD), vol. 33, com prazo final dia 30 abr. 2021, promovida pelo IBDD.

 

Tutela provisória liminar no mandado de garantia.

Preliminary injuction of the extraordinary writ

Silvano José Gomes Flumignan[1]

Alexandre Dimitri Moreira de Medeiros[2]

 

Resumo

Compete aos Presidentes dos Tribunais da Justiça Desportiva expedir ordens urgentes de fazer ou de não fazer à autoridade coatora desportiva desde que sejam fundadas as razões do impetrante de mandado de garantia. Propõe-se esclarecer a tutela provisória disciplinada no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) pelo método hipotético-dedutivo, verificando na bibliografia a relevância da incorporação ao sistema, por quem compete promover atualizações no CBJD, das mudanças trazidas pelo atual Código de Processo Civil, mediante a inclusão dos seus requisitos, obrigatoriedade e responsabilidade, contribuindo para aprofundar o conhecimento do tema. As conclusões alcançadas podem auxiliar na integração do processo desportivo posto que ausentes esses detalhes desde antes da última reforma, de 2009.

 

Palavras-chave

Tutela provisória. Mandado de garantia. Procedimento especial. Código brasileiro de justiça desportiva.

 

Abstract

It is incumbent upon the Presidents of the Sports Courts to issue urgent orders to do or not to the sports authority, provided that the reasons for the plaintiff’s extraordinary writ are founded. It is proposed to clarify the preliminary injunction disciplined in the Brazilian Code of Sports Justice (CBJD) by the hypothetical-deductive method, checking in the bibliography the relevance of the incorporation to the system, by those responsible for promoting updates in the CBJD, of the changes brought by the current Code of Civil Procedure, through the detailed inclusion of the requirements, obligation and responsibility, contributing to deepen the knowledge of the theme. The conclusions reached here can assist in the integration of the sporting process since these assumptions have been absent since before the last reform, in 2009.

 

Keywords

Preliminary injunction. Extraordinary writ. Special procedure. Brazilian code of sports justice.

 

Sumário: Introdução – 1. Acepções da palavra liminar – 2. Breves considerações sobre tutela cautelar e antecipada – 3. A liminar no mandado de garantia: requisitos, obrigatoriedade e responsabilidade – Considerações finais – Referências.

 

INTRODUÇÃO

 

É caro ao direito processual desportivo a instrumentalização de procedimento especial para combater os comportamentos anômicos das suas autoridades. Mas, se o CBJD possui regras adequadas aos interesses sociais desportivos. E se são eficientes as instituições destinadas a manter a ordem jurídica desportiva, por que as autoridades desportivas ainda praticam atos, omitem-se ou decidem de forma desviada? (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 159).

Aos Presidentes do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e dos Tribunais de Justiça Desportiva (TJD) regionais[3] compete prezar pela efetividade e tempestividade desse procedimento especial classificado de mandado de garantia. Devem obediência à Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), art. 5º LXXVIII. Mas é árdua essa missão por ter escolhido o CBJD a técnica de urgência em dois dispositivos (arts. 92 e 93).

São variadas as causas e fatores que promovem o desvio das autoridades desportivas e provocam por consequência o acesso à Justiça Desportiva para controlar atos, integrar omissões e revisar decisões. E na perspectiva de Dinamarco (2005, p.188) cabe “[…] ao processualista estar atento à indispensável visão orgânica da interação entre o social, o político e o jurídico.”

Já em 1981 previa-se o mandado de garantia no sistema processual desportivo no Título IV, dos processos especiais, Capítulo VII, arts. 130 a 141, do Código Brasileiro Disciplinar do Futebol (CBDF). Desde, então, foram duas modificações do sistema processual desportivo. A 1ª via Resolução do Conselho Nacional do Esporte (CNE) nº 01, de 23/12/2003. E a última via Resolução CNE nº 29, de 10/12/2009.

A comparação das datas de atualização do sistema processual desportivo com a Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009 (LMS) e a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC), já sinaliza a relevância de esclarecimento dos requisitos, da previsão de obrigatoriedade e da regra de responsabilidade da atividade cautelar da Justiça Desportiva.

O problema deste artigo é se a atividade cautelar desenvolvida pelo mandado de garantia normatizada pelo governo brasileiro está adequada à efetividade e celeridade processual das vigentes técnicas de urgência para enfrentamento do justo receio ou efetiva violação de direito líquido e certo do sujeito esportivo por parte de qualquer autoridade desportiva.

A garantia cautelar desse mandado está a serviço da ulterior atividade jurisdicional desportiva, prevista na CRFB, art. 217, “[…] que deverá restabelecer, definitivamente, a observância do direito e está destinada não tanto a fazer justiça, como a dar tempo a que justiça seja feita.” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2001, p. 317).

O objetivo geral deste artigo é propor diretrizes para atualização do CBJD no âmbito do mandado de garantia para conformidade ao princípio da efetividade e celeridade da prestação jurisdicional desportiva.

E para alcançar esse propósito será necessário estabelecer os seguintes objetivos específicos: (a) analisar as diretrizes vigentes do CBJD, pontuando as acepções da palavra liminar, as técnicas de urgência cautelar e antecipada, seus requisitos, obrigatoriedade e responsabilidade; e (b) identificar as lacunas no CBJD, apontando as possíveis soluções para sua atualização.

Será utilizado o método hipotético-dedutivo, tendo em vista que se propõe a atualização do CBJD por novas diretrizes como solução para dirimir os problemas decorrentes das lacunas normativas atuais da Justiça Desportiva nacional.

E o tipo de estudo quanto aos objetivos será de caráter exploratório. E a pesquisa terá caráter bibliográfico e documental. Já quanto à abordagem do tratamento dos dados, a pesquisa será qualitativa.

 

  1. ACEPÇÕES DA PALAVRA LIMINAR

 

Identificar a natureza jurídica de qualquer coisa é útil para determinar seu regime jurídico. É estéril a pesquisa se a coisa possuir regramento próprio bem detalhado. Então, importa analisar a natureza jurídica da liminar no mandado de garantia visto que não possui esmiuçado regramento no CBJD. (MACHADO, 2000, p.111).

O art. 283 do CBJD determina que as omissões e as suas lacunas serão integradas pelos princípios gerais do direito, princípios do seu art. 2º e normas internacionais aceitas em cada modalidade, proibindo a aplicação subsidiária de legislação não desportiva. É contraditória essa proibição se os arts. 92 e 93 são inspirados no art. 4º da LMS, e o verbo “poderá” do art. 273 do CPC de 1973.

No art. 2º do CBJD está previsto no inciso II o princípio da celeridade. E sua influência está representada no art. 92, que assim dispõe: “Em caso de urgência, será permitido, […], impetrar […] por telegrama, fac-símile ou meio eletrônico […], podendo […], pela mesma forma, determinar a notificação da autoridade coatora.”

Ainda no art. 2º do CBJD está expresso no inciso III o princípio do contraditório. E sua mitigação está prevista no art. 93, com a seguinte redação: “Quando relevante o fundamento do pedido e a demora possa tornar ineficaz a medida, o Presidente do Tribunal (STJD ou TJD), ao despachar a inicial, poderá conceder medida liminar”.

Dentre os princípios do art. 2º do CBJD não consta expressamente o da efetividade. E ao longo de todo CBJD não se faz menção à antecipação de tutela nem cautelar, optando-se pela expressão liminar na qualidade de decisão pronunciada de forma não definitiva e no início do procedimento especial previsto nos seus arts. 88 a 97.

Percebe-se que no CBJD a técnica de urgência prevista no art. 93 não é o único pronunciamento que pode ser concedido liminarmente. É exemplo disso a decisão liminar proferida se a inicial do procedimento de impugnação de partida, prova ou equivalente for inepta, a parte ilegítima, faltar condição exigida pelo CBJD para a iniciativa da impugnação ou não for comprovada quitação de custas (art. 84, § 2º).

Nesse sentido, o CBJD considera, também, liminar a decisão que indefere a inicial do próprio mandado de garantia, nos termos do art. 94. E a que indefere a instauração de inquérito (art. 83). E, ainda, a que indefere a inicial de todos os procedimentos especiais que não vierem acompanhados do comprovante de pagamento das custas (art. 80).

No tocante às normas internacionais aceitas na modalidade do futebol, por exemplo, o Código Disciplinar da FIFA vigente no Título III, da organização e competência, Capítulo I, das disposições gerais, no art. 48, §§ 1º a 3º, trata de decisões provisórias liminares que o podem ser deferidas de ofício, por 90 dias, prorrogáveis em casos extraordinários, para assegurar a devida prestação jurisdicional desportiva, manter a disciplina dos sujeitos desportivos às regras do sistema ou para evitar danos aos bens tutelados no Direito Desportivo ou por razões de segurança e proteção.

E por entender írrita a proibição de aplicação subsidiária de lei não desportiva à lacuna no CBJD, deve-se dedicar atenção especial à classificação que o CPC confere às atividades jurisdicionais de urgência. Tutela provisória é o instituto gênero, que pode ser fundamentada em urgência ou evidência. Tutela provisória de urgência pode ser cautelar ou antecipada, liminar ou no curso do processo, antecedente e incidental. (ARAÚJO, 2021, p. 97).

Pode-se afirmar que as características das tutelas provisórias é a cognição sumária, a precariedade e a dependência de requerimento. E agora não importa se a tutela de urgência no mandado de garantia é antecipada ou cautelar porque para concessão de ambas os requisitos passaram a ser os mesmos: probabilidade do direito e perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (BORBA, 2019, p. 87-90).

A técnica antecipatória que justifica as espécies de tutelas provisórias visa distribuir de forma isonômica o ônus do tempo e não gera coisa julgada material. Está prevista no CPC vigente na parte geral e pode ser utilizada de maneira incidental ou antecedente tanto no procedimento comum como em qualquer procedimento diferenciado, nos termos dos arts. 294, parágrafo único, e 303 a 310. (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2020, p. 238).

As medidas cautelares sobrevivem no direito processual desportivo (CBJD, art. 119) e no direito processual penal (CPP, art. 282, §§ 1º e 6º), pois no processo trabalhista se aplicam, subsidiariamente, as normas do CPC relativas à tutela provisória, nos termos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), art. 8º, parágrafo único, e CPC, art. 15. (ALVIM, 2018, p. 140).

Sendo inegável a influência da LMS e do CPC revogado sob os arts. 92 e 93 do CBJD é relevante que seja afastada a proibição de aplicação subsidiária de legislação não desportiva. E isso porque identificam-se no CBJD lacunas referentes aos requisitos, à previsão de obrigatoriedade da concessão da liminar e à regra de responsabilidade objetiva do sujeito desportivo beneficiário da atividade cautelar da Justiça Desportiva.

Assim, é solução possível se atualizar os arts. 92 e 93 do CBJD para que passem a tratar de tutela provisória de urgência liminar nos moldes do CPC vigente, concedida sem audiência da autoridade coatora desportiva, incorporando as situações jurídicas dos requisitos, obrigatoriedade e responsabilidade no mandado de garantia.

Abordadas as diretrizes vigentes do CBJD no que toca à acepção da palavra liminar. E identificadas as lacunas no atual CBJD. Restou apontada possível solução para atualização do CBJD, sendo oportuno avançar sob a próxima atividade desse objetivo específico, qual seja, apresentar breves considerações acerca das técnicas de urgência cautelar e antecipada.

 

  1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE TUTELA CAUTELAR E ANTECIPADA

 

A tutela provisória antecipada visa entregar ao impetrante os efeitos, totais ou parciais, do pedido imediatamente, enquanto a tutela provisória cautelar é instrumento que objetiva resguardar o direito controvertido no mandado de garantia. Até hoje são muitos os operadores do direito que entendem, equivocadamente, como mesmo instituto jurídico as técnicas cautelar e antecipatória. (LAMY, 2018, p. 107).

Está superada a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela antecipada satisfativa de urgência por força do art. 300 do CPC. Em ambas deve-se aplicar o princípio da fungibilidade conforme art. 305, parágrafo único, do CPC. E não é absoluta a regra que proíbe tutela provisória antecipada com efeito irreversível, nos termos do Enunciado nº 419 do Fórum permanente de processualistas civis (FPPC).

Destaca-se que na prevalência do fator risco de perecimento do direito ou perigo de dano, como prevê o art. 300 do CPC, a tutela provisória antecipada ou cautelar é instrumento de aproximação do direito processual ao direito material. Foi o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional e o poder geral de cautela previstos na CRFB que inspiraram o CPC vigente e a flexibilização das técnicas de urgência. (LAMY, 2018, p. 112).

A flexibilização instrumentalizada pela fungibilidade prestigia a necessidade de economia processual e duração razoável do processo, com o aproveitamento de atos processuais já praticados. É fenômeno de encampação da preferência pela prolação de decisões de mérito em detrimento de decisões meramente processuais. Não resta dúvida que o legislador permite ampla fungibilidade entre as tutelas provisórias (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2020, p. 255).

É por força do § 3º do art. 300 e art. 305 do CPC que Araújo (2021, p. 101) sustenta que a probabilidade é exigida em maior grau nas tutelas antecipadas do que nas cautelares porque tem caráter satisfativo. Destacando que nos dois casos se forem concedidas, liminarmente, não geram coisa julgada por força da cognição sumária.

Meireles (2009, p. 86) ensinou que o § 5º do art. 7º da LMS admite a possibilidade de concessão de medida liminar não apenas cautelar no mandado de segurança. Pregando ainda que a sua concessão não é liberalidade da Justiça e, por ser medida acauteladora do direito do impetrante, não pode ser negada quando presentes os requisitos legais nem concedida na ausência deles.

Machado (2000, p. 119) enfatiza que toda medida liminar é de certa forma satisfativa porque beneficia o impetrante com o que precisava. E que não deve o julgador conceder medida liminar plena e definitivamente satisfativa o bastante para que o impetrante perca o interesse pela sentença. Pontuando que é o ingrediente fático da situação jurídica que não pode ser concedido de maneira irreversível ao impetrante.

E qual seria a medida da satisfação da liminar prevista no art. 93 do CBJD? Em face da lacuna no CBJD sugere-se que seja a mesma da tutela provisória antecipada do CPC. Para poder afirmar, então, que não pode o Presidente do Tribunal (STJD ou TJD) conceder liminar ao sujeito desportivo impetrante do mandado de garantia capaz de tornar irreversível o ingrediente fático da situação jurídica ajuizada.

Esclarecido que apesar de serem institutos diferentes. As tutelas possuem idênticos requisitos para sua concessão. Alertando-se ao julgador que não deve entregar tudo e sem volta ao sujeito desportivo impetrante. Mas qual a medida das técnicas processuais destinadas à efetivação da liminar deferida no mandado de garantia?

Novamente no CBJD não se encontram elementos bastantes para delimitar o que seria adequado para dar efetividade à tutela provisória deferida. Sugere-se, assim, que seja o CBJD atualizado para incorporar as regras do CPC, contidas nos arts. 139, inciso IV e 537. E isso privilegiaria a adequação da técnica processual à promoção da tutela do direito. (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2020, p. 254).

Promoveria significativa melhoria do sistema processual desportivo a previsão no CBJD de que ao Presidente do Tribunal (STJD ou TJD) poderia prescrever a incidência de multa, independente de pedido do sujeito desportivo impetrante, para reforçar o cumprimento das decisões da Justiça Desportiva.

E o que está disciplinado no CBJD sobre o Presidente do Tribunal conceder tutela provisória liminar sem que no mandado de garantia tenha sido feito pedido expresso? Nada! Sugere-se, então, que seja incorporada a regra do art. 6º do CPC, para registro de que é proibido seu deferimento de ofício e que seja franqueada a consulta ao impetrante sobre o interesse do deferimento.

Machado (2000, p. 118) defende que não tem dúvida que em face do texto legal vigente o julgado não apenas pode, mas deve conceder a liminar mesmo sem pedido do impetrante. E isso porque grande parte da doutrina e jurisprudência sobre o mandado de segurança foi edificada durante o regime autoritário que se instalou no Brasil em 1964.

De forma semelhante, no CBJD não existe a previsão do Presidente do Tribunal (STJD ou TJD) exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, como condicionante à concessão da liminar, com o objetivo de assegurar o ressarcimento da parte adversa. Essa lacuna do CBJD poderia ser integrada com as regras do inciso III, art. 7º da LMS e do art. 300, § 1º do CPC.

Trata-se de tema controvertido, e Araújo (2021, p. 108) entende ser razoável que essa exigência padece de inconstitucionalidade ao condicionar a liminar do mandado de segurança, em alguns casos, à prestação de caução, fiança ou depósito. Afirma que a maioria dos mandados são impetrados por servidores públicos e hipossuficientes. Sendo possível limitar-se injustificadamente o exercício de direitos fundamentais.

Nessa mesma toada de lacunas do CBJD, cabe registrar outro óbice à concessão da liminar no mandado de garantia: o pagamento de custas. Sem a possibilidade de concessão da gratuidade para acesso à Justiça Desportiva, o sistema demanda por atualização. E isso porque 49 de 75 Constituições preveem o esporte no contexto de relevância para o exercício pleno da cidadania, e 14 dessas 49 estabelecem o esporte como um direito social (CANAN; ROJO, STAREPRAVO, 2019).

É válido destacar que há 32 anos que a CRFB promulgou os princípios constitucionais desportivos. E isso após 1.289 sugestões populares apresentadas sob a temática do esporte. Sendo notado ainda alta participação popular e significativa presença estatal no Direito Desportivo, pressionando por atualização desse ecossistema (MEYER; STAREPRAVO, 2019).

E essa atualização precisa de prévia investigação do fato desportivo e seus sujeitos, a delimitação das questões atinentes à disciplina do esporte e às competições desportivas. E isso gera a capacidade de refletir sobre a jurisdição desportiva estatal e a disciplinar desportiva não-estatal, considerando a finalidade de contribuir com o desenvolvimento do Direito Desportivo brasileiro (SILVA, 2016).

E das investigações aqui destacadas, apresenta-se um aparente cenário de conflito entre a autonomia da Justiça Desportiva e a soberania da Justiça Comum. Mas como ambas possuem fundamento constitucional, a especialidade da Esportiva merece prevalecer sobre a Comum (VARALLI, 2020).

Entretanto, essa prevalência não será legítima se a viabilização do acesso à ordem jurídica desportiva não for justa. Nota-se que o procedimento especial do mandado de garantia que despreza o julgamento da liminar e do mérito pela primazia da quitação prévia de custas é obstáculo insuperável, que não está em conformidade ao fenômeno atual de privilegiar o sistema jurisdicional multiportas (PINHO, 2019).

Ademais, o art. 84 do CBJD ao dispor sobre procedimento especial para impugnação de partida, prova ou equivalente de certa forma cria hipóteses de restrição à técnica de tutela urgente no mandado de garantia. Reservando e excluindo do campo da competência do mandado de garantia a impugnação de ato desportivo que possa resultar modificação de resultado e anulação de partida, prova ou equivalente.

É previsão legal similar à antecedente o que está disposto no art. 112 do CBJD, sobre o procedimento especial de revisão de decisões da Justiça Desportiva. Afasta-se, também, do conteúdo do mandado de garantia o combate de julgamentos proferidos contra literal disposição de lei ou contra a evidência da prova ou que seja resultado de erro de fato ou falsa prova.

Outra lacuna do CBJD está na falta da previsão de perempção ou caducidade da liminar quando o impetrante criar obstáculos ao regular andamento processual ou quando abandonar ou retardar a promoção de atos ou diligências por mais de três dias úteis. Essa lacuna do CBJD poderia ser integrada com as regras do art. 8º da LMS e do art. 296 do CPC.

Enfim, enfrentadas as diretrizes vigentes do CBJD no que toca à técnica de urgência do art. 93. E identificadas lacunas no atual CBJD. Apontaram-se possíveis soluções para sua atualização, sendo imperativa a passagem de fase: apresentar os detalhes dos requisitos, obrigatoriedade e responsabilidade da atividade cautelar da Justiça Desportiva.

 

  1. A LIMINAR NO MANDADO DE GARANTIA: REQUISITOS, OBRIGATORIEDADE E RESPONSABILIDADE

 

O art. 217 da CRFB prescreve que a resolução dos conflitos esportivos atinentes à disciplina e às competições está condicionada ao esgotamento prévio das instâncias da Justiça Desportiva, no prazo máximo de sessenta dias, regulada em lei.

Essa regulamentação está prevista no art. 33 da Lei nº 8.028, de 12 de abril de 1990, e nos arts. 49 a 55-C da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé). É no art. 50 da Lei Pelé que está prevista a organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva por meio do CBJD.

São requisitos para concessão da liminar no mandado de garantia a relevância dos fundamentos da tese ajuizada e a ineficácia do procedimento especial se demorar a ser julgado o feito. É isso que está previsto no art. 93 do CBJD. Trata-se de uma versão compilada do art. 7º, inciso III, da LMS e do art. 273 do CPC de 1973.

Percebe-se que a Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, que disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências (LMS), no seu art. 7º, inciso III, destaca que o ato coator será suspenso quando houver fundamento relevante e dele puder resultar ineficaz a medida se deferida apenas no final do processo.

E do art. 273 do CPC de 1973 ressalta-se que o julgador poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida na inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da tese e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, além da caracterização do abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte adversa.

Assim, uma impetração de mandado de garantia fundada em norma jurídica claramente violada pelo ato impugnado ou em manifestações jurisprudenciais ou doutrinárias está dotada de fundamento relevante. Por mais que seja difícil a tarefa de consolidar um conceito para este requisito. “O direito bom, que se há de antever, é o direito material a ser protegido pela sentença que porventura defira a segurança.” (MACHADO, 2000, p. 113).

E o segundo requisito é possibilidade de se tornar ineficaz ou inútil a sentença proferida em mandado de garantia que não for capaz de prescrever diretamente a reparação integral de todos os danos decorrentes do ato impugnado. Afere-se esse requisito pela reflexão se será necessária a propositura de outra ação, a fim de reparar o dano ao direito material do sujeito desportivo impetrante. (MACHADO, 2000, p. 114).

De 1973 para 2015 o legislador não desportivo resolveu abandonar esses requisitos e elegeu o conceito de probabilidade lógica do direito. Considerada aquela que emana da comparação dos fundamentos aduzidos com a situação jurídica controvertida nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2020, p. 244).

E não é só isso, a fim do julgador exercer satisfatoriamente a cognição sumária deve, atualmente, considerar ainda o contexto em que está inserido o pedido de tutela provisória, a urgência, o valor do bem jurídico ameaçado ou violado, a dificuldade do impetrante provar sua tese, além da credibilidade das suas alegações. (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2020, p. 245).

Quanto à obrigatoriedade, vale o registro de que a regra do art. 93 do CBJD foi inspirada no art. 273 do CPC de 1973. É dizer que o CPC de 2015 alterou o verbo de “poder” para “dever”. E o art. 300 rege que será concedida a liminar se presentes os requisitos, e não mais o “poderá” como estava previsto na regra processual antiga.

Sendo assim, pode-se afirmar que o “poderá” contido no art. 93 do CBJD está desalinhado ao “será” do art. 300 do CPC vigente. E isso coloca em risco a integralidade do direito material controvertido no mandado de garantia já que não possui mais correlação no sistema processual não desportivo vigente, mantendo a tutela do direito vinculada ao juízo discricionário do Presidente do Tribunal.

Assim, por ser uma modalidade de tutela antecipada, a liminar em mandado de garantia deve ser concedida se identificados os requisitos legais, sem espaço legal para o juízo discricionário. O que ocorre na prática muitas vezes é que o impetrante não consegue demonstrar os requisitos de urgência e relevância do pedido liminar, sendo postergada a apreciação para depois das informações.

Ademais, há lacuna no CBJD quanto à responsabilidade objetiva daquele sujeito desportivo beneficiário da liminar. A proibição da aplicação subsidiária do art. 302 do CPC vigente demonstra-se mais uma vez irrazoável. E isso porque a incorporação ao sistema processual desportivo dessa medida útil só contribuiria com a evolução da atividade cautelar da Justiça Desportiva (ALVIM, 2018, p. 262).

Percebe-se que essa integração adicionaria ao sistema processual desportivo a possibilidade de reparação por dano processual. Situação inovadora mesmo sendo aplicada aos casos em que o impetrante não conquistasse sentença favorável, não promovesse o andamento regular do feito, ocorrer a cessão de eficácia da medida ou for acolhida a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do impetrante.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A Justiça Desportiva possui natureza de jurisdição privada uma vez que o art. 217 da CRFB e o art. 33 da Lei nº 8.028, de 12 de abril de 1990, e os arts. 49 a 55-C da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, conferem-lhe o poder de aplicar o direito à solução de conflitos (RAGUZZA, 2017, p. 98).

Dessa forma, prestigia-se o sentimento comum de intolerância às intervenções judiciais indevidas no desporto (VARALLI, 2020, p. 76). Entretanto, essa prevalência não será legítima se as situações jurídicas de cabimento da tutela provisória, antecipada ou cautelar, deferida inaudita altera parte, estiverem desconectadas do atual CPC.

E isso porque se o art. 93 do CBJD replica o inciso III, art. 7º da LMS, que não está em conformidade ao atual CPC, Livro V, arts. 294 a 311, então, ambos comandos normativos devem ser alterados para adequação da referência à liminar ao novo contexto de tutela provisória antecipada liminar (ARAÚJO, 2021, p. 97).

De forma semelhante, o ensinamento de Correia e Netto (2015, p. 80) pode justificar este argumento: se o Estado destacou para Justiça Desportiva o poder de dizer o Direito, atribuiu também o dever de restabelecer a ordem jurídica material, atualizando os valores-deveres no exame da técnica.

E tomando por base esse contexto, pode-se frisar que o procedimento especial do mandado de garantia tem necessidade de atualização nas diretrizes normativas dos seus pronunciamentos emergenciais ao longo da relação processual desportiva.

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Doutor, Mestre e Bacharel em Direito Civil pela USP. Professor da UPE e da Asces/UNITA. Professor Permanente do Mestrado da Faculdade CERS. Membro do IEA da Asces/UNITA. Foi pesquisador visitante da Universidade de Ottawa. Procurador do Estado de Pernambuco. Membro da ANNEP. Advogado em Caruaru/PE.

[2] Mestrando em Direito, Compliance, Mercado e Segurança Humana pela Faculdade CERS. Bacharel em Direito pela UNICAP/PE, Membro do IBDD. Advogado em Recife/PE.

[3] Diz-se regionais ou regional nos contornos dados pelo CBJD, art. 282, § 2º: “[…] compreende tanto as Regiões como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, conforme o caso.”