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Dano processual e litigância de má-fé: análise crítica dos seus pressupostos e consequências

Trata-se de pôster apresentado na disciplina Direitos de danos: prevenção e compliance, de 20 abr. 2021, ministrada Prof. Dr. Silvano Flumignan no Programa de Mestrado Profissional da Faculdade CERS, em coautoria de Fábio De Tarsis Gama Cordeiro e Tiago Salviano Cruz.

 

DIFERENCIE DANO SOCIAL DE DANOS COLETIVOS E DE DANOS MORAIS A PARTIR DA NOÇÃO DE DANO-EVENTO E DANO-PREJUÍZO.

O código civil brasileiro (CCB) conceitua ato ilícito como sendo aquele que, praticado por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, vier a violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, nos termos da redação do Artigo 186. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (artigo 187 do CCB).

Já a obrigação de indenizar em decorrência da prática de dano a outrem, consistente na reparação em decorrência do ato ilícito, tem seu fundamento jurídico no artigo 927, também do CCB, que em seu parágrafo único assevera que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Desta feita a conduta do indivíduo e o nexo de causalidade entre esta e o dano causado são a tríade de pressupostos básicos para o dever de indenizar, enquanto fato jurídico básico da responsabilidade civil no direito brasileiro. Verificado o primeiro cenário, nos termos dos artigos 186 e 187 do CCB, o segundo cenário terá pertinência com a fixação do montante indenizatório, qual seja a reparação civil prevista no caput do artigo 927 do CCB.

A noção de dano evento e de dano prejuízo possui relação direta com o resultado da condução, enquanto pressuposto do dever de indenizar. O dano evento é a situação hipotética prevista em lei que mantém pertinência com a conduta contrária ao direito. A distinção está no plano teórico, vez que uma determinada conduta pode se amoldar apenas ao dano evento ou pode simultaneamente ser configurada como dano evento e dano prejuízo.

O dano-evento é, pois, uma lesão a um direito subjetivo ou a um interesse juridicamente relevante, ao passo que o dano-prejuízo é a consequência patrimonial ou extrapatrimonial da referida lesão. Nesta esteira, o dano-prejuízo se revela pela alteração ou não da situação econômica da vítima, ante a natureza da lesão, e que pode ter como consequência alteração patrimonial ou extrapatrimonial, individual ou transindividual.

A noção de dano-prejuízo exsurge como pressuposto do dever de indenizar e também como parâmetro para o montante da indenização, sendo este último aspecto revelado pelo artigo 944 do CCB aos dispor que a indenização se mede pela extensão do dano.

O artigo 952 do CCB adotou a teoria subjetiva enquanto método de verificação do dano patrimonial, seguindo a ótica do dano segundo o interesse humano específico na reparação. O citado dispositivo legal aduz em seu parágrafo único que para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar- se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele. Esta teoria pode ser aplicada para os danos patrimoniais e extrapatrimoniais.

Para a categoria dos danos exclusivamente patrimoniais o código civil brasileiro atribuiu a teoria da diferença e a teoria objetiva. A primeira consiste na diferença aritmética entre o valor do patrimônio antes e depois da ocorrência do dano. A segunda estima o dano patrimonial como o valor objetivo ou de mercado do bem que sofreu a lesão. Assim, o dano patrimonial seria aquele suscetível de avaliação econômica ao passo que o dano extrapatrimonial não.

Portanto em uma visão dicotômica os danos podem ser classificados como danos patrimoniais e extrapatrimoniais. O dano moral é espécie do gênero dano extrapatrimonial, que também engloba

O dano moral seria então conceituado como o dano evento que violaria direitos ou categorias de direitos, em especial os direitos personalíssimos de que cada indivíduo é detentor, ao infringirem virtudes e/ou atributos valorativos do indivíduo enquanto ente social integrado a sociedade. Ou seja, é a violação ao conjunto de direitos da pessoa humana (dano evento) que não são suscetíveis de avaliação econômica, cujo dano prejuízo seria então presumido.

O dano social seria aquele decorrente da violação da socialização de um direito, em contraponto aos danos individuais, que teriam a função de equivalência quando se trata se danos patrimoniais e compensação quando se trata de manos morais, sendo que neste caso uma pessoa em específica sofre o dano, ao passo que no dano social não é possível essa individualização. Veja-se que no dano social a lesão pode ser de cunho patrimonial ou não.

O dano social está inserto na categoria do dano prejuízo, sendo aquele que repercute na esfera social, não se relacionando com o direito violado. Assim o dano social pode decorrer da violação de um direito individual ou coletivo, sendo que não necessariamente decorre de uma violação aos direitos da personalidade. Assim, do social se difere do dano coletivo, pois o dano social por ser oriundo de um direito individual ou não.

Pelo fato de estar galgado no dano prejuízo, o Enunciado de nº. 456 da V Jornada de Direito Civil defende que os legitimados para proporem ação fundada no dano social sejam os mesmos que possuem legitimidade para propor a Ação Civil Pública.

 

É POSSÍVEL A APLICAÇÃO DA TEORIA DO DANO IN RE IPSA PARA AS PESSOAS JURÍDICAS? JUSTIFIQUE SUA RESPOSTA APONTANDO OS ENTENDIMENTOS RECENTES DO STJ E O ENTENDIMENTO DAS JORNADAS DE DIREITO CIVIL DO CJF.

         A súmula 227 do STJ firmou o seguinte entendimento: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Por sua vez o Enunciado de nº 445 da V Jornada de Direito Civil, ao tratar da intepretação a ser dispensada ao artigo 927 do CCB aduz: “O dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”.

Tratemos, pois, de tecer os devidos comentários ao alcance dos excertos acima mencionados. O artigo 52 do CCB prevê que seja aplicado para as pessoas jurídicas, no que couber, a proteção aos direitos da personalidade. Apesar de haver muitas vozes dissonantes, a jurisprudência majoritária no Brasil foi construída no sentido de entender que a pessoa jurídica é passível de sofrer danos morais, especialmente em relação à sua honra objetiva, que compreende sua reputação, seu bom nome e sua fama perante a sociedade e o meio profissional.

Desta feita quando se fala em dano moral a pessoa jurídica estar-se-á a afastar os elementos da honra subjetiva, tais como sentimentos e autoestima, pois são próprios das pessoas naturais. Assim, a honra tutelada da pessoa jurídica e cuja ocorrência de dano a mesma é passível de infringir sua esfera moral é a sua honra externa (objetiva). Isto porque as pessoas jurídicas não sofrem questões existenciais que venham a abalar sua autoconsciência ou sua posição perante a sociedade, ou seja não são oriundos de natureza biopsíquica ou mesmo envolvem a dignidade da pessoa humana.

O dano ‘in re ipsa’ se qualifica como aquele em que “a responsabilização do agente opera-se por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova concreta do prejuízo”, nos termos do Informativo n. 404, 24 a 28 de agosto de 2009. Estaria, pois, o dano “in re ipsa” afeito ao conceito de dano evento, pois uma vez verificada a ocorrência do dano, o dano-prejuízo seria presumido.

É possível concluir que para as pessoas jurídicas o dano moral ‘in re ipsa’ estaria afastado, pois neste caso haverá a necessidade de comprovação do dano-prejuízo, e não a penas a existência do dano-evento.

Neste sentido foi a decisão do REsp 1.564.955-SP ( Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 06/02/2018, DJe 15/02/2018) firmando que: “O dano moral sofrido pela pessoa jurídica não se configura in re ipsa, o que não obsta, contudo, que sua comprovação ocorra por meio da utilização de presunções e regras de experiência no julgamento da controvérsia”.

Idêntico é o posicionamento do Enunciado 189 da III Jornada de Direito Civil, segundo a qual na responsabilidade civil por dano moral causado à pessoa jurídica, o fato lesivo, como dano eventual, deve ser devidamente demonstrado.

Portanto, a Súmula 227 do STJ firmou o entendimento de que a pessoa jurídica pode sim sofrer dano moral, entretanto o dano precisa ser devidamente demonstrado, vez que relacionado apenas a honra objetiva da pessoa jurídica, não sendo, portanto, “in re ipsa”

O Enunciado de nº 445 da V Jornada de Direito Civil corrobora este entendimento, ao reconhecer um maior alcance à categoria dos danos morais, de modo que estes não estão adstritos aos de natureza biopsíquica ou que envolvam a dignidade da pessoa humana.